O preconceito fundado na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social sempre esteve enraizado em nossa sociedade e nas relações de trabalho. Essa distinção leva sempre a uma discriminação.
O preconceito é imaterial, é um pensamento, um sentimento, já a discriminação é a materialização do preconceito, ou seja, é a manifestação material do preconceito.
Em razão disso, a punição pela dispensa discriminatória, precisou ser normatizada a fim de evitar abusos por parte dos empregadores e para proteger a dignidade humana do trabalhador.
A dispensa discriminatória no direito do trabalho
O Brasil ratifica a Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre Discriminação em Matéria de Emprego. Essa Convenção é um bom parâmetro para definirmos o que é um ato discriminatório.
De acordo com o §1º, do artigo 1º, da Convenção 111 da OIT, o termo “discriminação” compreende:
“a) Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão; b) Qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo Membro interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados.”
A discriminação pode ser direta, isto é, intencional, dolosa e pode ser indireta que é aquela em que se adota um critério aparentemente objetivo, mas que esse critério revela um caráter de discriminação.
Um exemplo de discriminação indireta seria uma determinada empresa ao formar um programa de trainee, ou programa de formação de gerentes, estabelecer como uma das cláusulas, que o candidato, ao entrar no programa, automaticamente se dispõe a ser transferido para qualquer outra unidade da empresa.
Esse tipo de cláusula é aparentemente neutra, mas prejudica mulheres que tenham responsabilidades familiares.
O conceito da discriminação indireta não tem sido utilizado na nossa jurisprudência. No Brasil, a discriminação precisa ser presumida, como é o caso da dispensa de trabalhadores portadores de HIV ou de outras doenças graves estigmatizantes ou tem que ser uma situação de discriminação intencional, ser provado que realmente houve uma situação dolosa do empregador de discriminação.
A OIT também trata na Convenção 111 das ações afirmativas.
As ações afirmativas visam prestigiar grupos que historicamente foram discriminados, são ações que buscam fomentar a integração social de grupos minoritários. Os processos seletivos de emprego limitados a determinadas minorias são considerados legais. Então, se em uma contratação tiver cota pra mulheres num determinado mercado que tem poucas mulheres, como é o caso da construção civil, essa seria uma ação afirmativa válida e não discriminatória.
Admite-se, em nosso ordenamento jurídico, a chamada discriminação razoável, ou seja, àquela que visa a proteção do trabalhador. É o caso, por exemplo, de não permitir grávidas em atividades insalubres. Se o posto de trabalho que a empresa está oferecendo é insalubre, a mulher grávida não será contratada. Esse tipo de discriminação é possível.
Há também a discriminação em razão da função, ou seja, a empresa precisa contratar uma pessoa para cuidar do vestiário masculino, naturalmente a empresa irá contratar um trabalhador do sexo masculino.
A discriminação, para ser enquadrada como discriminação razoável, ou permitida, precisa ter um fundamento plausível, seja pela função a ser exercida na empresa, seja para a proteção da saúde do trabalhador.
Combate à discriminação no Brasil
O artigo 7º, inciso XXX, da Constituição da República proíbe diferenças salariais por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu artigo 461, prevê multa por discriminação em razão do sexo ou etnia e assegura a isonomia salarial.
A Súmula 443 do TST presume discriminatória a dispensa do empregado portador de HIV ou de outra doença grave estigmatizante.
O julgado a seguir, corrobora o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST):
“DANO MORAL. PRESUNÇÃO DE DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. CÂNCER . Diante de possível contrariedade à Súmula 443 do TST a providencia cabível é o provimento do agravo de instrumento, para melhor análise do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. II – RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. DANO MORAL. PRESUNÇÃO DE DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. CÂNCER. 1. Incontroverso que a autora encontrava-se com doença grave, câncer. A Corte de origem considerou inexistente nos autos quaisquer elementos que permitam concluir pela alegada dispensa de cunho discriminatório, imputando à autora tal comprovação. 2. Decisão que contraria os termos da Súmula 443 do TST, segundo a qual “Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito”. 3. Uma vez reconhecida a natureza discriminatória da dispensa da reclamante, faz ela jus ao recebimento da remuneração relativa ao período de afastamento em dobro, nos moldes do art. 4.º, II, da Lei 9.029/95, bem como à indenização por danos morais, no valor de R$ 50.000,00. Recurso de revista conhecido e provido.” (RRAg-11045-35.2017.5.03.0183, 8ª Turma, Redatora Ministra Delaíde Alves Miranda Arantes, DEJT 04/03/2022).
Destacamos o teor da Lei 9029/95 que é a lei de combate à discriminação no Brasil. Por essa Lei, a dispensa que for considerada discriminatória provocará uma série de efeitos.
De acordo com o artigo 4º da Lei 9029/95 além do direito à reparação pelo dano moral, é facultado ao trabalhador optar entre a reintegração com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais, ou a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.
Então, se houver a caracterização de qualquer tipo de discriminação na dispensa, o trabalhador poderá pedir, na ação trabalhista, a reparação pelo dano moral sofrido, mais a reintegração com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais, ou a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais
É importante ressaltar que a dispensa discriminatória não está muito longe da nossa realidade. Caracteriza-se como discriminatória, além das definidas acima, as seguintes situações: a dispensa do empregado dispensado em situação de doença. Não só doença estigmatizante, imagina que o empregado está doente e a empresa tem conhecimento do estado de saúde dele e promove o desligamento. Esse é um tipo de situação que mesmo que a doença não seja estigmatizante pode caracterizar a discriminação, conforme segue o julgado:
“DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. EMPREGADO DIAGNOSTICADO COM HEPATITE B. DOENÇA GRAVE QUE SUSCITA ESTIGMA. SÚMULA 443 DO TST. Hipótese em que o empregado era portador, desde 2010, de hepatite “B”, tendo sido dispensado pela empresa na data de 06/07/2015. No caso, não obstante o diagnóstico do câncer só tenha acontecido após a dispensa, sabe-se que a Hepatite B, per si, já configura doença pode ser considerada doença grave que suscite estigma ou preconceito, a fim de atrair a aplicação do entendimento consolidado na Súmula 443 desta Corte. Com efeito, assim como a Hepatite C, a Hepatite B é transmitida pelo sangue e outros líquidos e secreções corporais contaminados, o que também pode ocorrer em situações rotineiras no dia a dia. Em razão das características de sua forma de transmissão, a Hepatite B pode ser equiparada, por exemplo, ao HIV. Observe-se, também, que a argumentação da empresa de que a dispensa só ocorreu cinco anos após o primeiro diagnóstico da doença não ilide, per si , o presumido caráter discriminatório da doença, pois não houve demonstração objetiva de que o ato da dispensa foi orientado por outra causa, como motivo disciplinar, técnico, econômico, financeiro, ou reestruturação da empresa. Agravo de instrumento a que se nega provimento.” (AIRR-11222-94.2017.5.15.0108, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 19/11/2021).
Dispensar o trabalhador porque ele entrou com ação na justiça do trabalho, é muito comum. E isso fere a chamada garantia de indenidade que tem jurisprudência consolidada no Tribunal Superior do Trabalho (TST).
O empregador não pode dispensar o empregado só porque ele ingressou com ação na justiça do trabalho, isso é uma dispensa de retaliação, de represália ao empregado que exerceu o direito de ação. Nessa circunstância, a chamada garantia de indenidade, o TST vem mencionando que há uma presunção de discriminação, porque não é razoável dispensar o empregado pelo fato dele ter ação na justiça do trabalho, naturalmente isso é uma presunção, a empresa pode provar que a dispensa não foi discriminatória.
E como a empresa prova isso? Ela prova que na mesma data do desligamento do reclamante foram dispensados outros empregados; ela prova que embora o reclamante tenha sido dispensado no curso da sua ação trabalhista, a empresa tem outros empregados que têm ação na justiça e que não houve represália nenhuma, eles continuam trabalhando normalmente na empresa.
O que ressaltamos aqui é que a dispensa do empregado pelo exercício do direito de ação configura o ato discriminatório, conforme descrito no julgado da 6ª Turma do TST:
“RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. RETALIAÇÃO PELO AJUIZAMENTO DE AÇÃO TRABALHISTA. REINTEGRAÇÃO. A Lei nº. 9.029/95, em seu artigo 1º, proíbe a adoção de práticas discriminatórias quanto ao acesso ou manutenção da relação de emprego. Embora o dispositivo se refira a discriminação por ” motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade”, doutrina e jurisprudência têm entendido que se trata de menção unicamente exemplificativa, a autorizar a aplicação do art. 8º da CLT, para o efeito de reconhecer outras situações de discriminação. Isso se deve ao fato de que a própria Constituição Federal, em seus artigos 3º, IV, 5º, caput, I, VIII, XVII, XX e XLI, 7º, XXX, XXXI e XXXII, veda outras práticas de discriminação. A CLT, em seu art. 373-A, também repele formas de discriminação ao trabalho da mulher, devendo ser acrescentado que a Súmula nº 443 desta Corte é igualmente exemplo de interpretação ampliativa do art. 1º da Lei n º 9.029/95, ao consolidar o entendimento de ser presumível a dispensa discriminatória de empregado portador de HIV. No caso, ficou constatado o abuso do direito potestativo do empregador em dispensar empregados, como meio de punição/retaliação ao ajuizamento de ação trabalhista. Esta Corte, nessas circunstâncias, tem identificado a dispensa discriminatória, a ensejar o direito do empregado à reintegração, nos termos do art. 4º, I, da Lei nº 9.029/95. Recurso de revista conhecido e provido. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DISPENSA RETALIATIVA. O empregador extrapola seu poder diretivo e incorre em abuso de direito quando dispensa empregado em razão de ajuizamento de ação trabalhista. Trata-se de ato legítimo, assegurado constitucionalmente (art. 5º, XXXV, Constituição Federal), de forma a configurar a conduta ilícita do empregador, nos termos do art. 187 do CCB, e o dano causado à dignidade do empregado e ao seu direito de livre acesso à Justiça. Devida, assim, a reparação, nos termos do art. 5º, V e X, da Constituição Federal, 186 e 927 do CCB. Precedentes da Corte. Recurso de revista conhecido e provido” (RR-10425-06.2014.5.03.0061, 6ª Turma, Relator Desembargador Convocado Paulo Marcelo de Miranda Serrano, DEJT 24/06/2016).
Uma outra situação bem comum é a dispensa de pessoa com deficiência ocupante de vaga de reserva estabelecida no artigo 93, da Lei 8.213/91. Quando se tem um empregado com deficiência em vaga reservada a pessoas com deficiência ou reabilitados da previdência social, a empresa só poderá dispensar esse empregado se estiver cumprindo a cota, ou seja, se contratar um outro empregado em situação semelhante, isto é, um outro empregado que é elegível nessa cota de pessoas com deficiência ou reabilitadas.
Houve uma discussão recente na jurisprudência em que uma empresa dispensou o empregado com deficiência, mas ela tinha um superávit da cota, ou seja, a empresa tinha mais empregados com deficiência do que a cota da previdência social determina. E havia divergência no TST, se essa dispensa era nula ou não. A Subseção Especializada em Dissídios Individuais (SDI) pacificou a matéria com muita prudência e bom senso.
Se a cota de pessoas com deficiência da empresa é 14 e ela tem 17, se a empresa dispensar até 3 empregados com deficiência ela continuará com 14, então, cumprirá a lei. Considera, portanto, que não é discriminatória, não é nula essa dispensa e não se presume a discriminação.
Outra situação que podemos citar é a dispensa da mulher grávida, presume-se que seja um ato discriminatório. A empresa terá que provar um fator objetivo, ou seja, que a empregada gestante praticou ações que ensejariam a justa causa.
Da indenização
Nos casos de dispensa discriminatória, será pedido na ação trabalhista a reparação pelo dano moral, a reintegração com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais, ou a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.
Essa indenização em dobro é difícil calcular porque há uma série de discussões sobre qual é o termo final do período de cálculo. Sobre o termo inicial não resta dúvida de que é o próprio desligamento. Agora o termo final que é o problema.
Há quem entenda que o termo final é a data do desligamento ilegal até a data da propositura da ação. Há quem entenda que não é a data da propositura da ação é a data da primeira sentença que reconheceu o caráter discriminatório da dispensa. E há nesse sentido decisões de Turma do TST, entendendo que esse é o critério.
E há uma tese, que também tem decisões de Turma, que a indenização em dobro, no caso de dispensa discriminatória, vai da data do desligamento ilegal até a do trânsito em julgado, porque seria no trânsito em julgado que o trabalhador seria reintegrado caso ele optasse pela reintegração. Essa é uma tese que também tem força na justiça do trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A discriminação dificilmente será abolida das relações de trabalho. O preconceito está enraizado em nossa sociedade e apesar de todos os esforços no seu combate, ele ainda é muito marcante.
Faz-se necessário investir em novos padrões de relações trabalhistas para que as novas gerações possam romper esta realidade de preconceito e discriminação.
A dispensa discriminatória atinge diretamente a dignidade do trabalhador, um princípio constitucional.
As diferenças entre as pessoas sempre existirão, isso é indiscutível, entretanto não se pode permitir que haja distinção pejorativa em razão dessas diferenças. É dever do Estado proteger o trabalhador.
O presente trabalho não tem nenhuma pretensão de esgotar o tema, sempre será necessário fomentar a discussão sobre o preconceito nas relações trabalhistas e as consequências da dispensa discriminatória.
Contrava-se com doença grave, câncer. A Corte de origem considerou inexistente nos autos quaisquer elementos que permitam concluir pela alegada dispensa de cunho discta conhecido e provido.” (RRAg-11045-35.2017.5.03.0183, 8ª Turma, Redatora Ministra Delaíde Alves Miranda Arantes, DE.